Blackout no Brasil: oportunidade ímpar para a radioescuta

Ouvindo rádio durante o apagão em 10/11/2009

A experiência do apagão foi bem peculiar, apesar de ser uma vergonha em proporção mundial – falhas em máquinas e sistemas acontecem naturalmente, ainda mais acidentes de causas naturais – mas não haver contingenciamento de linhas de transmissão é evidenciar descaso com a infra-estrutura, até porque isso não dá voto: historicamente o foco dos governantes é promover maquiagem em favelas e distribuir “bolsas isso e cheque aquilo” em programas que se assemelham a distribuição de esmolas, ao invés de prover oportunidades de trabalho e desenvolvimento sustentáveis.

Mas voltando ao apagão, nestas horas de falha em infra-estrutura, especialmente falhas em sistemas elétricos, desastres, desordens urbanas e etc, é que se percebe o quanto o rádio continua sendo importante.

Usando pilhas, ou dentro dos automóveis para quem estava em deslocamento, quem utilizou um radio pode tomar ciência do problema que não afetava o próprio bairro, mas a maioria dos estados do país e até o Paraguai.

Felizmente, algumas poucas emissoras que ainda seguem a lei do Brasil e apresentam conteúdo de utilidade pública, noticiaram os eventos e aconselhavam seus ouvintes em como proceder nesta situação de adversidade.

A Rádio Tupi do Rio de Janeiro, por exemplo, que estava realizando uma transmissão esportiva – Vasco e Campinense – interrompeu a narração para dar cobertura aos acontecimentos, orientando, informando, buscando explicações para o problema, enfim, promovendo um show de cobertura jornalística, que é uma das razões primordiais da criação deste meio de comunicação, que é a radiodifusão.

Enquanto isso, as infindáveis emissoras ditas “religiosas” comandadas por diversos “escolhidos de Deus” que clamam para si a missão de Salvador, desde que o dizimo seja pago rigorosamente em dia através de boletos bancários ou em espécie, continuavam transmitindo espetáculos que beiram o bizarro. (Para quem duvidar, é só sintonizar, você encontrará desde entrevistas com o próprio Diabo em pessoa como ouvirá sessões de tortura em demônios…)

E neste espetáculo deprimente de má utilização do espectro magnético e à margem da legislação que regula a radiodifusão, que determina pelo menos uma hora diária de programação dedicada a utilidade pública, vamos assistindo passivamente a degradação do rádio – outrora sinônimo de cultura e informação, jornalismo, diversão e entretenimento para a família – em uma mídia caça-níquel sem relevância para a formação da cidadania.

E considerando que o maior ofensor em termos tecnológicos para a radioescuta é o ruído elétrico gerado pela rede elétrica e por diversos dispositivos, como lâmpadas eletrônicas, aparelhos de televisão, iluminação pública (lâmpadas a vapor de sódio que utilizam reatores), em eventos de interrupção de energia, podemos desfrutar das benesses da ausência deste tipo de interferência.

E ao ouvir na Rádio Tupi que se tratava de um evento de proporções históricas, com diversos estados do Norte ao Sul e até o Paraguai sem energia elétrica, veio a motivação para ouvir rádio sem a agressão dos ruídos elétrico.

E por volta da 01:00 hora UTC ao ligar um rádio portátil Sangean ATS909, e sintonizar lentamente as freqüências de ondas médias, tive a grata surpresa de ouvir com sinal forte e áudio excelente a Rádio BSKSA – Broadcasting Service of the Kingdom of Saudi Arabia, transmitindo desde Jeddah na Arábia Saudita, na freqüência de 1.512 kHz.

Receptor Sangean ATS-909
Sintonizando a Rádio BSKSA – Broadcasting Service of the Kingdom of Saudi Arabia – no Rio de Janeiro utilizando um rádio portátil e uma antena para ondas médias

Acoplando uma antena portátil de ferrite – RGP3 – o sinal se tornava mais forte, e direcionando o conjunto rádio e antena até conseguir melhor recepção gravei alguns trechos desta emissão que considero histórica.

A distância entre a cidade de Jeddah e o Rio de Janeiro é de aproximadamente 10200 KM, o que confere um caráter excepcional a esta captação.

Já sintonizei no Rio de Janeiro, na praia ao pôr do Sol, diversas emissoras do Oriente Médio e África, utilizando uma antena de 200 metros de comprimento estendida na areia, e um receptor de comunicações com muitos recursos avançados, e inclusive tenho diversas gravações destas captações.

Durante o período chamado de Grey Line, que é compreendido entre o pôr do Sol do local onde se recebe o sinal, e o outro lado do mundo onde está amanhecendo, existem fenômenos de propagação ionosférica que possibilitam ouvir emissoras de diversas partes do mundo, geralmente quando há orientação Leste x Oeste no caminho entre o emissor e o receptor.

Mas durante a noite, utilizando um rádio portátil captar uma emissora em ondas médias da Arábia Saudita com sinal forte e áudio livre de ruídos e interferências, e isso no centro urbano, dentro da sala de estar, é um feito a ser registrado.

No fim da noite no Brasil, está amanhecendo na Arábia Saudita, e justamente nesta hora estão iniciando as transmissões de rádio das emissoras locais, onde tradicionalmente no mundo Islâmico se iniciam com a leitura do Al Corão, o Livro Sagrado dos Mulçumanos. Com seu idioma fácil de ser identificado, e com a leitura em forma de canto das suras (capítulos) do Al Corão, ouvir Arábia Saudita no período da Grey Line em tais condições é realmente uma experiência inesquecível.

E diante de tal fato, telefonei para outros radioescutas, tanto no Rio como em São Paulo, para avisar sobre a possibilidade de se sintonizar emissoras transoceânicas como Jeddah, e recebi a informação de que outros países como a França em 1.557 kHz estava chegando muito bem.

Imediatamente, sintonizei esta freqüência e pude ouvir com som limpo a programação musical da France Info, que transmite da cidade de Nice, com 300 kWatts de potência. A cidade de Nice está a 9000 KM de distância do Rio de Janeiro.

A Argentina também se fez presente em alguns canais como 630 e 1620 kHz, e em 530 kHz havia emissões em espanhol, que podem ser da Argentina, ou até mesmo do Caribe, da Rádio Vision Cristiana que transmite da ilha Turks & Caikos.

Em 1610 kHz sintonizei a programação em inglês da Rádio Caribean Beacon com sinal regular.

E durante o apagão, diversas emissoras de ondas médias brasileiras, saíram do ar, com a falta de energia, como a Rádio Cultura de São Paulo em 1200 kHz, deixando o canal livre para outras emissoras do nordeste brasileiro, como ocorreu com o canal de 540 kHz que também ficou aberto para outras localidades.

Apesar do fato lamentável da falta de energia a nível Brasil, e que causou enormes transtornos a população, foi uma oportunidade ímpar para ouvir rádio, ainda que por breves momentos e sem preparação alguma, quanto ao tipo de rádio e antena mais apropriados para captações mais difíceis.

Mapa da Arábia Saudita
Mapa da Arábia Saudita – Transmissor localizado em Jeddah
Sarmento Campos – Rio de Janeiro
10/Nov/2009

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Engenheiro Eletrônico, trabalha na área de TI e Telecomunicações e é aficcionado por tecnologia, e a prática da radioescuta
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