Radio Espanha Independente – O Rádio na Clandestinidade

Nas Ondas Curtas da Guarujá Paulista

Radio Espanha Independente

Matéria produzida pelo Professor e Historiador Sérgio Dória Partamiam

Momento Cultural - Radio Espanha Independente

Especialmente Gravado por Pedro Machado de Lorena – SP para o Momento Cultural

Espanha

Ocupando a maior a maior parte da Península Ibérica, no sudoeste da Europa, a Espanha fica num planalto com clima influenciado pelo Mar Mediterrâneo e o Oceano Atlântico. Sua força como potência colonizadora nos séculos XV a XVII é testemunhada pela grande difusão da língua espanhola no mundo. Convivem no Estado espanhol diferentes nacionalidades – bascos, catalãos, galegos -, com línguas e culturas próprias e certo grau de autonomia. A economia combina modernas indústrias com zonas rurais atrasadas e enfrenta uma grave crise de desemprego. O regime monárquico mantém-se; o atual primeiro ministro Antônio Zapareiro é em socialista. A Espanha das touradas, da música e da dança, dos tesouros culturais e dos pintores, como Goya, Picasso, Salvador Dali e Miró, tem no turismo uma grande fonte de renda.

Vamos conhecer agora um pouco de sua História e a História da Radio Espanha Independente, uma das mais famosas emissoras clandestinas do passado.

Na Antigüidade a Espanha era conhecida como Ibéria, foi ocupada por fenícios, gregos e cartagineses, até ser conquistada e incorporada ao Império Romano em 45 a .C. Sob o domínio romano foi estabelecida sua unidade política e o cristianismo na península. No início do século V, na época das invasões bárbaras, a ela foi tomada sucessivamente por vândalos germânicos, depois pelos visigodos e, em 711, pelos mouros (árabes muçulmanos) que se apossaram de quase toda a península.

Nos séculos X e XI, os pequenos reinos cristãos como Navarra, Leão, Castela e Aragão que escaparam à dominação muçulmana no território espanhol, iniciaram a chamada “guerra de reconquista”. A reconquista cristã duraria cinco séculos terminando em 1492, quando Fernando de Aragão e Isabel de Castela – que haviam unificado seus reinos pelo casamento – capturaram Granada, última cidadela dos mouros. No reinado de Fernando e Isabel, chamados de “reis católicos” pela sua aliança com a igreja, os judeus são expulsos da Espanha ou forçados a se converter ao catolicismo.

Conquista da América

Fernando e Isabel financiam as viagens de Cristóvão Colombo, que “descobre” América em 1492 dando início a um vasto império colonial espanhol no Novo Mundo. Hernán Cortés conquista o México dos astecas em 1521 e Francisco Pizarro derrota os incas no Peru em 1532.

O rei Carlos (1516-1556), da família dos Habsburgo, herda o reino e torna-se, em decorrência de casamentos dinásticos, o governante mais poderoso da Europa: senhor da Holanda (Países Baixos), Áustria, Sardenha, Sicília e Nápoles e imperador do Sacro Império Romano-Germânico, com o título de Carlos V.

No entanto, o catolicismo fervoroso dos reis espanhóis se opõe ao emergente protestantismo na Europa. Em 1588, a poderosa Armada espanhola, chamada “a invencível”, é derrotada pela Inglaterra, na Guerra dos 30 anos (1618-1648), os Habsburgo espanhóis e austríacos atacam os holandeses, suecos e alemães, mas a participação da França ao lado das potências protestantes faz pender a balança contra Espanha e Áustria, em 1648 a Espanha reconhece a independência da Holanda (Países Baixos) e rompe seus laços com o ramo austríaco dos Habsburgo. Portugal e sua colônia do Brasil, que viviam sob o domínio da Coroa espanhola desde 1580, separa-se da Espanha em 1640. Em 1713, a Espanha perde Gibraltar, o ducado de Milão, o Reino de Nápoles e a Sardenha.

No início do século XIX, eclodem rebeliões nacionalistas na América, que transformam quase todas as colônias espanholas em países independentes. O império colonial praticamente chega ao fim com a Guerra Hispano-Americana, em 1898.

Nos anos 30, do século XX, enquanto a Europa ocidental já possuía instituições políticas modernas, a Espanha continuava sendo um oásis tradicionalista, governada pela “trindade reacionária”(O Exército, a igreja católica e o Latifúndio), que tinha sua expressão última na monarquia burbônica de Afonso XIII. Vivia nostálgica do seu passado imperial grandioso.

A igreja, por sua vez, herdeira do obscurantismo e da intolerância dos tribunais inquisitoriais do santo Oficio, era uma instituição que condenava a modernidade como obra do demônio. No campo, finalmente, existiam de 2 a 3 milhões de camponeses pobres, “los braceros”, submetidos às práticas feudais e dominados por uns 50 mil “hidalgos”, proprietário de metade das terras do país.

A Guerra Civil Espanhola

Como resultado da grave crise econômica de 1930 (iniciada pela quebra da bolsa de valores de N. Iorque, em 1929), a ditadura do Gen. Primo de Rivera, foi derrubada e, em seguida, caiu também a monarquia. O Rei Afonso XIII foi obrigado a exilar-se e proclamou-se a República em 1931, chamada de “República de trabajadores”.

Em fevereiro de 1936, a Frente Popular, uma coligação de partidos de esquerda composta por socialistas, comunistas, trotskistas, anarquistas, republicanos, partidos nacionalistas como a esquerda catalã, os galegos e o Partido Nacional Basco, venceu as eleições dominando cerca de 60 % das Cortes, derrotando a direitista Frente Nacional.

O clima da Espanha na época era turbulento, os choques constantes especialmente entre anarquistas e falangistas (extremistas de direita) vinham provocando inúmeros assassinatos políticos, e contribuíram para criar uma situação de instabilidade afetando o prestígio da Frente Popular, também desavenças internas de seus integrantes, provavelmente, mais cedo ou mais tarde fariam com que o governo desandasse.

A direita, organizada no CEDA (Confederação das Direitas autônomas), no partido agrário, nos monarquistas e tradicionalistas (carlistas) e finalmente pelos fascistas da Falange espanhola (liderados por José Antônio), estava entusiasmada especialmente com o sucesso de Hitler na Alemanha. Assim, apesar de derrotados nas eleições, os direitistas estavam animados e passaram a conspirar com os militares contando com o apoio dos regimes fascistas (Portugal, com Oliveira Salazar, Alemanha com Hitler e a Itália de Mussolini). Esperavam que um levante dos quartéis, seguido de um pronunciamento dos generais, derrubariam facilmente a República.

O Golpe de Franco

No dia 18 de julho de 1936, o Gen. Francisco Franco insurge o Exército contra o governo republicano. Ocorre que nas principais cidades, como a capital Madri e Barcelona, a capital da Catalunha, o povo saiu às ruas e impediu o sucesso do golpe. Milícias anarquistas e socialistas foram então formadas para resistir o golpe militar.

O país em pouco tempo ficou dividido numa área nacionalista, dominado pelas forças do Gen. Franco e numa área republicana, controlada pelos esquerdistas. Nas áreas republicanas ocorreu então uma radical revolução social. As terras foram coletivizadas, as fábricas dominadas pelos sindicatos, assim como os meios de comunicação. Em algumas localidades, os anarquistas chegaram até a abolir o dinheiro.

Em ambas as zonas matanças eram efetuadas através de fuzilamentos sumários. Padres, militares e proprietários eram as vítimas favoritas dos “incontroláveis”, as milícias anarquistas, enquanto que sindicalistas, professores e esquerdistas em geral, eram abatidos pelos militares nacionalistas.

A intervenção estrangeira

Como o golpe não teve o sucesso esperado, o conflito tornou-se uma guerra civil, com manobras militares clássicas. O lado nacionalista de Franco conseguiu imediato apoio dos nazistas (Divisão Condor, responsável pelo bombardeamento de Madri e de Guernica) e dos fascistas italianos (aviação e tropas de infantaria e blindados) enquanto que União Soviética de Stalin enviou material bélico e assessores militares para o lado republicano.

A pior posição foi tomada pela França e a Inglaterra que optaram pela “Não-Intervenção”. Mesmo assim, não foi possível evitar o engajamento de milhares de voluntários esquerdistas e comunistas que vieram de todas as partes (53 nacionalidades) para formar as Brigadas Internacionais (38 mil homens) para lutar pela defesa da República.

A crise entre as esquerdas

Stalin temia que a revolução social desencadeada pelos anarquistas e trotsquistas pusesse em perigo a defesa da República. Ordenou então que o PC espanhol comandasse a supressão das milícias (que seriam absorvidas por um exército regular) e um expurgo no POUM (Partido Obreiro da Unificação Marxista (uma pequena organização pró-trotsquista). O que foi feito em maio de 1937. Essa divisão íntima das esquerdas, entre pró-revolução e pró-república, debilitou ainda mais as possibilidades defensivas do governo republicano.

O fim da guerra

A superioridade militar do General Franco, a unidade que conseguiu impor sobre as direitas, foi fator decisivo na sua vitória sobre a República. Em 1938 suas forças cortaram a Espanha em duas partes, isolando a Catalunha do resto do país. Em janeiro de 1939, as tropas do gen. Franco entram em Barcelona e, no dia 28 de março, Madri se rende aos militares depois de ter resistido a poderosos ataques (aéreos, de blindados e de tropas de infantarias), por quase três anos.

Surge a Radio España Independiente “Estación Pirenaica”

Foi neste ambiente que surgiu a Radio España Independiente “Estación Pirenaica” uma das mais famosas emissoras clandestinas do passado. Oficialmente a emissora teria entrado no ar em 22 de julho de 1941 no entanto, segundo conta o amigo espanhol-catalão Sr Ramon Vila que atualmente vive em São Paulo , tem 82 anos de idade e presenciou os horrores da Guerra, ainda durante a Guerra Civil transmissões clandestinas da “ estación pirenaica” já se podiam ouvir em Barcelona.

Cartão QSL da Rádio Espanha Independente
Cartão QSL da Rádio Espanha Independente – Cartão pintado por Pablo Picasso que apoiava o Partido

A Radio España Independiente entrava no ar se identificando da seguinte maneira:

– “Aquí, Radio España Independiente; estación pirenaica, la única emisora española sin censura de Franco… transmitiendo por la onda…”.

Radio España Independiente “La Estacion Pirenaica” se transformaria numa das mais populares emissoras clandestinas do passado. Sua fundadora e primeira diretora foi Dolores Ibárruri, la ‘Pasionaria’, lendária dirigente comunista do Partido Comunista Espanhol.

A emissora transmitiu programas contrários ao regime de franquista de 22 de Julho de 1941 a 14 de julho de 1977.

Existiram diversas lendas sobre a localização de seus transmissores, muitos acreditavam que estivessem nos Pirineus, região montanhosa entre a Espanha e França, mas na verdade transmitia desde Moscou (Rússia) e a partir de 15 de Janeiro de 1955 de Bucareste (Romênia)

Durante todo os anos em que esteve no ar parece que a emissora, sofreu interferências propositais (jammer) do governo franquista. Esta informação é reforçada pelo relato do senhor Ramon Vila, que em 1944, quando tinha apenas 20 anos de idade e prestava o serviço militar obrigatório na Espanha, tinha por tarefa operar um transmissor Jammer colocado na “pirenaica” Segundo ele em 1994 o referido jammer estava instalado no AEROPUERTO INTERNACIONAL DE BARCELONA (RATP DE LLOBREGAT) . Tratava-se de um transmissor de telegrafia alemão da marca Lorentz de 1 kW de potência (com um modulador produtor de ruídos, por ele construído) alimentado por um motor de 10 HP e dois geradores de Corrente Contínua. A antena utilizada era um Dipolo colocado a 15 metros de altura.

Na década de 1970 ela era facilmente ouvida aqui no Brasil em freqüência próxima a 10 mHz, sempre com jammer colocado pelo governo espanhol.

A programação da Pirenaica era complexa e variada, percebia-se uma preocupação na busca uma linguagem natural, um cuidado para que não parecesse “algo de fora” da imigração, mas uma emissora “de dentro” que poderia estar operando em Madrid ou Sevilla.

Seguramente ele influenciou gerações de espanhóis, deve ter sido uma referencia para muita gente na Espanha que lutou e resistiu a ditadura franquista, que queria saber o que se passava pelo mundo e no próprio país sem os filtros da censura oficial.

Com a morte de Franco, em novembro de 1975, Juan Carlos foi coroado rei, como Juan Carlos I. Um gabinete moderado foi formado e se iniciou um tímido programa de reformas políticas. No mandato do primeiro-ministro Adolfo Suárez, foram legalizados os partidos políticos – inclusive o Comunista – e marcadas eleições para o Parlamento.

Em 15 de junho de 1977 foram realizadas as primeiras eleições livres desde 1936, com a vitória da União de Centro Democrática (UCD), de Adolfo Suárez. Com o Pacto de Moncloa, em 1978, os partidos políticos selaram um acordo para tirar o país da crise econômica. O governo Suárez elaborou leis que concederam maior autonomia às regiões da Catalunha, País Basco e Galícia. No País Basco, no entanto, persistem até hoje as reivindicações de independência completa.

A Radio España Independiente, foi uma criação do Partido Comunista Espanhol, e durante 36 anos consecutivos transmitiu notícias e informações para a Espanha, rompendo a censura imposta pelo governo franquista.

Com a redemocratização da Espanha ela dava seu trabalho por concluído: a Pirenaica se despediu de seus ouvintes em 14 de julho de 1977, transmitindo diretamente de Madrid a Sessão inaugural das Cortes Constituintes, com estas palavras de seu último diretor:

“Si nuestra labor ha servido en algo para la reconquista de la democracia, damos por bien empleado el esfuerzo”.

DX Clube do Brasil



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Engenheiro Eletrônico, trabalha na área de TI e Telecomunicações e é aficcionado por tecnologia, e a prática da radioescuta
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