Radio Central de Moscou e a Bomba de Neutrons

Durante o auge da Guerra Fria, o rádio teve um papel fundamental e ímpar na história. Era através do rádio de ondas curtas, que tem alcançe global, que as ideologias e propagandas eram divulgadas em larga escala e com grande abrangência geográfica.

Enquanto os Estados Unidos se vangloriavam do “American Way of Life” criando armas de destruição de massa e detonando duas ogivas nucleares no Japão no fim da Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma corrida armamentista se se estendeu para as ondas do rádio.

E a rádio difusão internacional era a ferramenta de divulgação da cultura, pensamento, das notícias e da propaganda dos países alinhados com ambos os lados.

A seguir, a reprodução de uma gravação de um programa dos idos de 1980 da lendária Rádio Central de Moscou que transmitia para o Brasil, e até os dias atuais, porém, como Rádio Voz da Rússia, representando a linha editorial que está no contexto da contra-propaganda da Guerra Fria de então.

Cogumelo atômico
Cogumelo atômico

Vamos ao texto :

“Eu componho poesia desde a infância e estou acostumado a olhar atentamente, a ouvir como soam as palavras mais diversas, a provar o gosto e a cor dessas palavras e medi-las pelas cordas vocais ( diz Robert Trasevinensky ), sobretudo quando se trata de palavras novas de conceitos novos. Ouçamos todos juntos como soam : missel balístico intercontinental, duzentos megatons, epicentro da explosão nuclear, missel de cruzeiro, projetil binário, gás neuro-paralisante, BOMBA DE NEUTRONS.

– Que diabo ? Por que são tantas essas palavras novas, esses conceitos tecnico-militares moderníssimos. O que querem de nós esses engendros sinistros da corrida armamentista ? Então, não sabem o que querem ? As nossas vidas. Só as vidas, nem mais nem menos. Disse ele que todos compreendem isso, mas apesar de tudo, em muitos países continua a dança da publicidade a propósito dos novos tipos de armas. Fala-se das armas com respeito e pormenores, num tom elevado e carinhoso, com entusiasmo e grande eloquência. Faz-se publicidade dos tipos de mísseis, como se tratasse de geladeiras ou detergentes. Com a particularidade de que nessa publicidade, se junta palavras que não podem ir juntas de forma nenhuma. Por exemplo : A bomba de neutrons é uma arma humanitária.

Uma jovem mulher que acabara de dar a luz, pediu que lhe explicassem o que era a bomba de neutrons. O seu pedido foi atendido embora não tenha sido fácil explicar-lhe, pois a jovem mãe não entendia de física nem de técnica. Quando as explicações terminaram ela disse : “Obrigado. Agora eu entendi. Dá-se o nome de bomba de neutrons a bomba depois de ter explodido, o meu filho já não existirá mais, em compensação, o carrinho no qual ele se encontrava ficará intacto.”

É essa a opinião que tem a respeito do caráter humanitário dos novos tipos de armas as pessoas normais.

– Contarei ainda outra história : Na escola as crianças escreviam uma composição. O tema era bastante comum. “Que profissão pensa escolher quando crescer ?” Também eram habituais as profissões que os escolares pensavam escolher. Eles queriam ser cosmonautas, engenheiros, trabalhadores da construção civil, músicos, pilotos, artistas, marinheiros, condutores de trolegos, uma menina escreveu laconicamente : “Quero ser médica, e quando crescer, ser-lo-ei sem falta. Naturalmente, se não houver nova guerra e se todos nós em geral, tivermos tempo de crescer”, acrescenta ela.

Essas palavras foram escritas por uma criança de onze anos de idade. Eu não sei como responder a essas criança. Naturalmente, poderia dizer-lhe : – Mas pequerrucha, para que se aflija assim, não deve se preocupar, tudo ira bem. Mas essas frases alentadoras, ficam suspensas no ar, quando a pessoa ouve e sabe o que esta acontecendo hoje, agora, no nosso planeta tão enorme e em essência, tão pequeno.

– O meu país, grande, poderoso e que passou por tantas provas, tem 200 milhões de habitantes, diz o poeta, e entre esses milhões, não há nenhuma só pessoa que tenha enriquecido, pelo menos uma só vez com os armamentos. Não há uma só pessoa, que obtenha vantagem, que obtenha lucro com a produção de novos tipos de armamentos.

– Eu sei que em outros países, existem pessoas assim. Certamente não são muitas, mas não sei por que acontece que são hoje em dia justamente elas as que impõem ao mundo o seu ponto de vista louco e fazem propaganda das idéias maníacas de guerra nuclear limitada, do primeiro golpe vitorioso, etc.

Além disso, elas ainda fazem com que muitos meios de informação de massa se transformem, com já se registra na pratica, em uma parte integrante dos meios de extermínio em massa. O que fazemos nós, personalidades culturais, o que fazemos nós, pessoas serias que pensam, que raciocinam e escrevem. Por que as nossas vozes hoje em dia não soam com a força e energia devidas ?

Acaso não está claro que no mundo não há e nem haverá uma idéia que justifique o começo de uma guerra nuclear, que é a ameaça na realidade do extermínio de todo o gênero humano ? Acaso não são ingênuos, não são doentes aqueles que pensam em obter vitória nessa guerra ? Eles se parecem com uma pessoa, que morando num prédio de madeira, de muitos apartamentos e tendo brigado com os vizinhos do andar, decide uma vez vingar-se. Para isso, joga gasolina na porta dos seus apartamentos e bota fogo. Embora a vingança seja aparentemente eficiente, a alegria dessa vingança, como compreenderão, distara muito de ser desanuviada, e sobretudo ela será muito breve, pois. Fogo, é fogo para todos. Mas se durante qualquer incêndio, existe, apesar de tudo uma esperança de se salvar, se uma casa em chamas, se pode, apesar de tudo sair rua afora, correr ou mesmo saltar, digam por favor : O que será de nós, moradores de enorme casa de muitos apartamentos que se chama Planeta Terra ? O que será de nós, quando essa casa arder num só momento, onde nos salvaremos então ? Como sairemos ? Para onde saltaremos ?

Aliás, no Ocidente eu vi uma propaganda muito chique de refúgios anti-atômicos. Pois bem, para certas pessoas, em primeiro lugar para os donos das firmas de construção que fazem estes refúgios, esses mundos de concreto, podem parecer mesmo uma saída magnifica da situação que se criou.

Mas eu quero ser mais preciso. ISSO NAO E NENHUMA SAIDA, É SÓ UMA ENTRADA, ENTRADA SEM SAÍDA. E não se trata só de que se fechem definitivamente os círculos da historia da civilização humana, desde as cavernas naturais da idade da pedra, até as cavernas artificiais da idade atômica, repito, não se trata disso, trata-se de que essas cavernas caixões, nunca poderão ser, como se diz nos materiais de propaganda, casulos do futuro, com todo seu conforto, eles servem mais para uma loucura lenta do que para a vida.

A desgraça geral que paira sobre nosso planeta, não poupara ninguém, mesmo que procurasse esconder-se, esperar do outro lado dos oceanos mais amplos, ou por trás das montanhas mais altas. A desgraça atingiria até os países super nao-alinhados, super neutralistas.

Talvez, demorasse um pouco, mas atigilos-ia sem falta. Pois as chuvas e os ventos radioativos não sabem o que é fronteira nacional, e é duvidoso que o vento radioativo para ante a placa : “Propriedade privada”.

Lamentavelmente, a morte ameaça a todos, é o que dizem os cientistas e médicos, é o que dizem especialistas nos que se pode e deve crer. É doloroso, é pena pensar que a historia da humanidade pode terminar assim, de repente, asfixiar-se, acabar-se. É doloroso, é pena pensar que nós, homens, trairíamos assim não só a nós próprios, mas a memória de todos nossos antepassados, mas invalidaríamos também, milhões de vidas, milhões de vidas de cidadãos da terra que deveriam viver amanha e depois de amanha, mas que nunca irão nascer nunca mais.

É doloroso, é pena pensar que a cultura, breve e eterna, a cultura secular do nosso planeta, se transformaria em poeira, em nada, em cinzas radioativas, diz finalizando o poeta Robert Trasevinensky. Isso não se pode admitir de forma nenhuma, por isso a voz da razão, a voz do coração, a voz da consciência das personalidades da cultura, deve soar sobre o mundo. Nós devemos dizer a nossa palavra, cada um na medida da sua compreensão, na medida do seu talento, na medida da força da sua voz, essa hora já chegou.

Ela chegou para todos, ela chegou justamente hoje, porque depois será tarde, tarde demais e, sobretudo, tarde para sempre …

Capa da Revista Time de 1951
Capa da revista Time de 1951 caracterizando a União Soviética como grande ameça



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Engenheiro Eletrônico, trabalha na área de TI e Telecomunicações e é aficcionado por tecnologia, e a prática da radioescuta
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