Radioescuta nos tempos atuais

Nos tempos áureos das transmissões internacionais de rádio em Ondas Curtas, o dial vivia repleto de emissoras, transmitindo nos mais variados horários, frequências e idiomas. Com grandes parques transmissores ao redor do planeta, era possível estar atualizado com tudo o que acontecia no mundo, e em particular, ter acesso a diversas versões dos fatos pois as fontes eram independentes, e os pontos de vista políticos eram bem delimitados.

Para exemplificar, durante o período recente do regime militar ditatorial no Brasil, que lançou uma onda de repressão jamais vista na história, com a supressão das liberdades individuais, e em particular, censurando e controlando direta e indiretamente a mídia, o cidadão comum ficava limitado as versões “oficiais” das notícias, não só do mundo, como em particular dentro do próprio país.

Neste período, que coincidia com o auge das transmissões de rádio internacional, era comum termos ciencia de fatos ocorridos no Brasil, assim como versões mais idôneas de noticiários locais e naturalmente internacionais, através das emissões de rádio de outros países.

Enquanto o regime militar reprimia as universidades, a imprensa, e impunha um rigoroso controle da então efervecente televisão no Brasil, através de um grande aglomerado formado então, era comum recorrermos aos noticiários da Rádio Nederland, da Holanda; Rádio BBC de Londres; Rádio Central de Moscou; Rádio Tirana da Albânia e tantas outras emissoras governamentais que levavam ao ar diariamente, não só noticiários atuais, mas editoriais refletindo pontos de vista diversos do que então era censurado e omitido na mídia local.

Nestes tempos áureos de grande diversificação de fontes de informação, em especial através do rádio, que por suas condições tecnológicas intrínsecas não pode ser rastreado e nem censurado, ouvia-se uma pleiade de programas voltados a cultura der diferentes povos, onde era possível conhecer outras ideologias, crenças, músicas e inclusive, trocar correspondência com os locutores a a redação em geral.

Hoje, com o fim da chamada Guerra Fria, e com a derrota dos regimes militares ditatoriais, e por consequencia, com as mudanças geopolíticas desde então, como por exemplo, a queda do muro de Berlim, o cenário na radio escuta hoje em dia é muito diferente.

Os governos restringiram ou eliminaram grande parte das transmissões de rádio internacionais, e em paralelo, com o crescimento das redes televisivas operando por satélite e por cabo, e com a concentração de renda e de poder em poucos detentores de capital controlando as grandes redes, aconteceu um fenômeno interessante. Enquanto diversas fontes de informação foram se apagando, outras que surgiram pretensamente para ocupar o seu lugar, na realidade, foram absorvidas por uma padronização global da informação, restringindo assim, a qualidade das notícias, em particular dos editoriais e análise dos acontecimentos.

Em outras palavras, quando podia se sintonizar a Rádio Voz da América falando sobre o conflito no Oriente Médio, dando sua versão dos fatos e mostrando suas doutrinas para o mundo, era possível sintonizar a Rádio Voz do Iraque e ouvir outra versão da história e outros pontos de vista.

Enquanto recebíamos no rádio a programação da Rádio BBC de Londres tecendo loas ao imperialismo britânico e reclamando para si a propriedade de todos os mares do planeta, a Rádio RAE – Rádio Argentina ao Exterior – relatava os horrores da guerra das Malvinas, informando sobre o covarde afundamento do cruzador argentino ARA General Beltrano ocorrido fora da área de exclusão.

Radiodifusion Argentina al Exterior

No Brasil, enquanto o regime militar oprimia a classe pensante e a imprensa oficial se referia a ex União Soviética como bárbaros que comiam criancinhas, através da Rádio Central de Moscou podíamos conhecer outras opinões, através de programas sobre a literatura russa, costumes e tradições deste pais também continental, contrastando com a imagem de agressores sombrios prestes a destruir a humanidade com seus misseis nucleares.

Radio Central de Moscou - ex União Das Repúblicas Socialistas Soviéticas

E hoje, temos a disposição através da TV aberta uma programação medíocre, que beira a aberração, e os canais da TV paga, estão concentrados em poucas redes de televisão que comungam da mesma opinião e pontos de vista.

Enfim, um retrocesso cultural e político em plena era da tecnologia onde vivenciamos avanços nas telecomunicações jamais imaginados ha algumas décadas atrás.

E hoje, a atividade de radioescuta, se reposiciona, não só por puro saudosismo, mas também pelo prazer de se pesquisar as ondas de rádio, e buscar cada vez mais sinais de rádio e emissoras longínquas desafiando as leis da física, e claro, as agressões aos sinais de rádio frequência gerados pela enormidade de dispositivos elétricos e eletrônicos cada vez mais presentes nos lares dos grandes centros.

Nos tempos áureos da radioescuta, um rádio analógico, valvulado ou transistorizado era utilizado para ouvir as grandes emissoras, utilizando-se como antena pedaços de fio esticados nos varais de roupa ou pendurados na janela.

Hoje em dia, até devido a maior facilidade de aquisição de rádios mais bem elaborados, e de custo até razoável, recorremos a antenas mais sofisticadas, a amplificadores externos e outros periféricos para auxiliar no processo de sintonizar emissoras de outras regiões, países e continentes.

Estas fotos a seguir registram o 8. Encontro de Lorena de Radioescutas, onde se observa um receptor de comunicações da década de 70/80, contrastando com um receptor moderno, controlado por computador, com o auxilio de outros dispositivos, como um faseador para permitir selecionar melhor as emissoras sintonizadas.

O contraste entre a forma que se realizava a radioescuta, a forma com que nos correspondíamos com as redações das emissoras internacionais, através de cartas escritas de próprio punho, ou através de mecanismos primitivos conhecidos como “máquina de escrever”, até os dias de hoje onde utilizamos a Internet para nos comunicarmos de forma instantânea e em tempo real, com quem quer que seja nesta aldeia globalizada, nos dá a tônica dos novos tempos.

Renato Uliana demonstrando um receptor clássico de ondas curtas
Renato Uliana durante o Encontro de Lorena em São Paulo, demonstrando o uso de um clássico receptor de ondas curtas

Renato Uliana demonstrando um receptor clássico de ondas curtas
Detalhe do rádio Kenwood fabricado no Japão na década de 70 e operando como novo

Transceptor de Ondas Curtas Yeasu
Moderno transceptor de comunicações em ondas curtas fabricado pela Yaesu no Japão controlado por computador

Para ver mais fotos do 8. Encontro de Lorena, acesse a página :

http://www.sarmento.eng.br



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Engenheiro Eletrônico, trabalha na área de TI e Telecomunicações e é aficcionado por tecnologia, e a prática da radioescuta
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