Entendendo a Propagação Ionosférica – Parte V

Por Renato Dutra Pereira Filho

Perturbações ionosféricas e seus efeitos na propagação das ondas curtas

Um dos desafios em usar um rádio de ondas curtas, tanto como experimentador, comunicador ou ouvinte, é lidar com as contínuas variações nas condições de propagação. Mesmo quando as condições solares estão não perturbadas, a variabilidade da ionosfera é suficiente para causar mudanças nas condições diárias do sinal. Estas mudanças são causadas pelas variações na absorção, mudanças na densidade eletrônica da ionosfera e turbulências na atmosfera superior. No entanto, de tempos em tempos, anormalidades ocorrem na ionosfera que fazem a transmissão e recepção dos sinais de rádio excepcionalmente difíceis, se não impossíveis. Estas anormalidades são chamadas de “perturbações ionosféricas”.

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Representação da Ionosfera segundo informações da NASA

As perturbações ionosféricas são caracterizadas pelo aumento da ionização da camada D, resultando em absorção do sinal de ondas curtas; ou por enfraquecimento ou decomposição da ionização da camada F2, ou ambas as condições.

A fonte primária dessas perturbações ionosféricas é a radiação proveniente de “flares”, literalmente labaredas solares, naquelas regiões ao redor de manchas solares. Por anos foi dito que as perturbações ionosféricas eram única e exclusivamente causadas pelos “flares” solares. Com a moderna tecnologia, no entanto, é sabido que nuvens de partículas de baixa energia não relacionadas com “flares” são emitidas pelo sol.

Estes eventos incluem (1) ventos solares de alta velocidade (HSSWS, high speed solar wind system), os quais emitem correntes de partículas a partir de manchas na coroa solar; (2) ejeções de massa da coroa solar, as quais são “teorizadas” como “flares” que não tem brilho ótico, mas que tem potência suficiente para ejetar partículas de baixa energia, e (3) filamentos “desaparecidos”, correntes gasosas solares mais frias, que desaparecem e são seguidas de perturbações no campo magnético terrestre.

De longe os “flares” solares propiciam os eventos de mais profundo impacto no campo magnético terrestre e na ionosfera. Mas é a sobreposição de todos os fatores acima mencionados que influenciam o dia-a-dia das condições de propagação.

Ocasionalmente, uma região ativa (uma área brilhante ao redor de uma mancha solar) entrará em “erupção”, ocorrendo um “flare” solar. Esse “flare” é uma emanação de plasma em formato de “labareda” na qual o hidrogênio ionizado (prótons) quente é emitido a uma velocidade de 200 km/s juntamente com radiação. Em casos extremos, quando a velocidade alcança 700 km/s, a velocidade de escape do Sol, a nuvem de plasma vai para o espaço interplanetário. Quando isso corre, efeitos drásticos são observados na Terra.

PERTURBAÇÕES RELACIONADAS COM “FLARES” SOLARES (CAUSAS E EFEITOS)

Geralmente, o efeito da perturbação ionosférica nas bandas de HF é enfraquecer os níveis de sinal abruptamente ou gradualmente, às vezes a ponto do sinal (e também o ruído atmosférico) desaparecer completamente. O efeito pode ser bem pronunciado, e quando o ruído é muito reduzido, alguém pode achar que seu receptor está defeituoso. Por outro lado, certas perturbações podem causar variações rápidas, erráticas, fading, ecos ou o efeito de “cabeça no barril”, e um grande aumento no nível de ruído em porções do espectro de HF.

Três tipos de radiação produzidos por “flares” solares afetam a propagação de ondas curtas. Estas são: radiação eletromagnética, radiação cósmica de partículas solares de alta energia, e radiação de partículas de baixa energia.

Cada uma afeta a ionosfera de forma diferente, e todas dificultam o serviço de ondas curtas.

Flares solares e seus “produtos” radioativos

Campos magnéticos muito intensos, cuja freqüência de ocorrência segue a evolução do chamado ciclo solar, surgem entre um par de manchas solares. Estes campos magnéticos permanecem abaixo da superfície solar, mas eles podem tornar-se tão grandes que pode emergir da superfície solar, estendendo-se em grandes círculos de até 35000 milhas acima da superfície solar. À medida que o campo magnético desenvolve-se e torna-se mais e mais complexo, a área ao redor da mancha solar é aquecida. Isto aumenta o nível de radiação solar emitida e aumenta mais ainda a volatilidade do campo magnético. À medida que o par de manchas solares aumenta, maior será o flare produzido. No entanto, a moderna tecnologia não pode predizer exatamente quando um flare ocorrerá ou qual sua magnitude.

Existe uma teoria que determina que grupos de manchas solares tornam-se mais complicadas e suas interações entre seus campos magnéticos aumenta, dois campos de polaridade cruzada saltam, causando uma descarga elétrica no plasma muito denso solar e quebrando as linhas do campo magnético. Seria mais ou menos como quando um balão é cheio até o ponto de estourar e então é furado com um alfinete. No primeiro minuto após a ruptura, uma nuvem de prótons de altíssima energia é ejetada a cerca de 1/3 da velocidade da luz. Simultaneamente radiação eletromagnética é emitida. Após 5 minutos de uma nuvem de partículas de baixa energia é ejetada, viajando a uma velocidade de cerca de 1000 km/s. Em uma hora, no entanto, os campos magnéticos se reconectam às suas devidas manchas solares e o nível de radiação da região decresce.

Um “flare” solar realmente grande pode produzir energia para suprir uma grande cidade por 200 milhões de anos, sendo que a maior parte dessa liberação brutal de energia ocorre nos 5 primeiros minutos.

É óbvio que em períodos de maior atividade solar, onde o número de manchas solares é maior, o número de “flares” é maior. Não só a ionosfera estará mais ionizada, mas também serão mais comuns as perturbações ionosféricas.

Perturbações ionosféricas súbitas, SID (Sudden Ionospheric Disturbances)

A perturbação ionosférica súbita (SID), é também chamada de enfraquecimento de ondas curtas, ou efeito Dellenger (nome dado em homenagem ao Dr. John H. Dellenger, um pioneiro americano na pesquisa sobre propagação de ondas de rádio, e que foi o primeiro a identificar este tipo de perturbação).

A SID somente afeta percursos de HF no hemisfério iluminado. Dependendo da intensidade do “flare”, e da relação angular entre o Sol e a Terra, o efeito da SID na propagação em HF pode variar de nada até o “blecaute” total.

Como a radiação eletromagnética produzida por um “flare” viaja a velocidade da luz, o efeito do “flare” na Terra ocorre cerca de 8 minutos após ter ocorrido.

A camada D da ionosfera cresce abruptamente pela radiação dos raios-X, causando um aumento imediato da absorção de HF. O ângulo de zênite solar influencia a quantidade de radiação. Então um caminho de HF tendo o ponto de controle ionosférico (à parte da ionosfera responsável pela reflexão do sinal) no meio dia solar ira experimentar um “blecaute” mais forte e mais prolongado, que um outro caminho de transmissão onde o ponto de controle ionosférico esteja pela manhã ou à tarde. Caminhos de transmissão na metade noite da Terra não sofrerão esse efeito.

Existe um grande número de características desse tipo de perturbação. Lembrando que a absorção é função do inverso do quadrado da freqüência, o aumento de ionização da camada D afeta freqüências na parte inferior do espectro de HF primeiramente. Por exemplo, as bandas de 80 e 40 metros. Sinais de alta freqüência são afetados posteriormente, e também são os primeiros a recuperar-se após o efeito do “flare” diminuir.

Em regiões equatoriais os SIDs são usualmente mais intensos. Percursos de transmissão transequatorial, cujo ponto de controle ionosférico é próximo ao equador irão sofrer abruptos e totais “blecautes”.

SIDs duram em média de 1 a 2 horas. No entanto, durante o máximo de atividade solar, podem ocorrer “flares monstruosos”, como em agosto de 72 ou em setembro de 89 que irão bloquear as transmissões no hemisfério iluminado por grande parte de um dia.O dia em que a ionosfera desapareceu.

Um dos grandes SIDs já registrados ocorreu durante o ciclo 20, em 7 de agosto de 1972. Estavam sendo feitas medidas de ionosfera durante o início da tarde pelo observatório astrogeofísico La Posta, da Califórnia. Abruptamente todos os traços da ionosfera desapareceram da tela do osciloscópio. Após checar o equipamento, e tendo visto o efeito de SIDs anteriormente, os cientistas esperaram pacientemente pelo fim da tarde para o retorno da ionosfera.

O que aconteceu é que os raios-X provenientes de um gigantesco “flare” solar atingiu a camada D, aumentando sua ionização, e fazendo com que todos os sinais de HF fossem absorvidos, na região oriental do oceano Pacífico. Registros da marinha americana comprovam que as comunicações entre as estações na área desapareceram totalmente.

* Artigo publicado no Boletim @tividade DX produzido pelo DX Clube do Brasil



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Engenheiro Eletrônico, trabalha na área de TI e Telecomunicações e é aficcionado por tecnologia, e a prática da radioescuta
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