Entendendo a Propagação Ionosférica – Parte I

Por Renato Dutra Pereira Filho

Bibliografia
The NEW Shortwave Propagation Handbook
By Geoger Jacobs, Theodore J. Cohen e Robert B. Rose

A partir dessa edição do @-tividade DX e nas próximas edições de domingo teremos artigos especiais sobre a propagação. Como esse material é destinado a todos os colegas, independente do seu nível de aprofundamento no assunto, e como o objetivo é tentar aprender e desmistificar como a propagação funciona, começaremos do básico. Afinal, grandes prédios necessitam de profundas e sólidas fundações. Nesta edição falaremos a respeito da: – relação entre comprimento de onda, freqüência e velocidade; – ionosfera, histórico, composição, características, formação, camadas, etc; – camadas D, E, F1 e F2;

As altas freqüências (HF, high frequencies), correspondem à porção do espectro entre 3 e 30 MHz (cada Hz equivale a 1 ciclo/s), ou seja, de 3000 kHz a 30000 kHz. Somente para lembrar, é muito intuitiva a transformação de freqüência em comprimento de onda e vice-versa, desde que tenhamos em mente o fenômeno em si, ou que prestamos atenção nas unidades. Comprimento de onda (L) é medido em metros no S.I. (Sistema Internacional de Unidades), enquanto que a freqüência (f) é medida em Hz. Como a relação entre estas grandezas está vinculada a velocidade (v) de propagação dessa onda (velocidade é em metros por segundo), basta “casar” as unidades e teremos a equação básica:

v = L . f

Como inúmeras medições experimentais comprovaram, a velocidade de propagação da radiação eletromagnética no vácuo é uma constante, ou seja, 300000 km/s, ou seja, 300000000 m/s. Logo, dada a freqüência em kHz, 300000/f, nos dá direto o comprimento de onda em metros e dado o comprimento de onda em m , 300000/L, nos dá a freqüência em kHz. A comunicação usando a faixa de HF é possível porque existe uma camada da atmosfera superior terrestre chamada ionosfera, a qual refrata e/ou reflete as ondas de rádio.

A IONOSFERA

A ionosfera, como o nome diz, é composta de partículas carregadas eletricamente chamadas íons. Íons nada mais são do que átomos ou moléculas que ganharam ou perderam elétrons apresentando, portanto carga elétrica negativa (chamados ânions) ou carga elétrica positiva (chamados cátions). O processo de transferência de elétrons (perda ou ganho) envolve energia, e essa energia tem de vir ou ir para algum lugar. Retirar elétrons é sinônimo de realização de trabalho logo gasta energia. Na ionosfera esses íons estão dispostos em muitas camadas que são capazes de refletir as ondas de rádio na faixa de HF e devolvê-las à Terra em uma trajetória que faz com que as mesmas percorram grandes distâncias.

As características elétricas dessas camadas, as quais são coletivamente referidas como ionosfera, estão sujeitas a amplas variações. Isto ocorre por que a ionosfera é formada pela radiação proveniente do SOL. É essa a fonte da energia necessária para arrancar os elétrons das moléculas do topo da atmosfera e transformá-las em íons. A intensidade da radiação solar modifica-se com a hora, com a estação do ano, com a localização geográfica. Além disso ocorrem variações cíclicas na capacidade da ionosfera de refletir ondas de rádio. Esses ciclos estão vinculados ao ciclo de aproximadamente 11 anos de atividade solar.

De 11 em 11 anos ocorre um aumento no número de manchas solares. Essas manchas são área turbulentas que produzem considerável quantidade de radiação. Quando a superfície solar está coberta com um grande número de manchas,a ionosfera é eletricamente mais carregada e as radio comunicações em ondas curtas são geralmente muito boas. Quando o número de manchas solares diminui, as condições tornam-se piores. O atual ciclo solar, o vigésimo terceiro observado desde que registros precisos começaram, encontra-se um pouco além do máximo, já em fase decrescente, mas ainda com muita atividade solar.

A DESCOBERTA DA IONOSFERA

Em 1902, dois cientistas, Arthur Kennelly nos EUA e Oliver Heaviside na Grã-Bretanha sugeriram teoricamente, em artigos científicos independentes, que a a atmosfera superior terrestre seria composta de um região condutora de eletricidade. Seria essa camada que agiria como obstáculo e defletiria os sinais de rádio que permitiram experiências de transmissão transatlântica que ocorreram 1 ano antes. Foram necessárias mais de duas décadas para que essa hipótese fosse verificada experimentalmente, especificamente em 1924 pelo cientista inglês Edward Appleton. Hoje sabe-se que a atmosfera superior é composta principalmente por nitrogênio, oxigênio e seus compostos, com pequenas quantidades de hidrogênio, hélio e outros gases. Esta descrição foi obtida experimentalmente a partir de balões de alta altitude, foguetes ou medidas de satélites ao longo das últimas décadas. Essas medições experimentais comprovaram as teorias de que o tipo de radiação solar de principal importância na formação da ionosfera era a radiação ultravioleta. A grande quantidade de energia associada com essa radiação seria a fonte de energia necessária para a ionização.

Hoje em dia é aceito que o papel da radiação ultravioleta é primordial nas camadas mais externas da ionosfera, enquanto que além desse tipo de radiação, a radiação do tipo raios-x, raios cósmicos e outros freqüências de radiação também tem importância nas camadas mais baixas da ionosfera. Se a radiação solar desaparece (à noite, ou por um eclipse solar) os elétrons e os íons se recombinam formado átomos e moléculas eletricamente neutros. O processo de ionização recomeça novamente quando do nascer do sol. Ocorre que há uma diferença de velocidade entre a ionização e a recombinação. A ionização é um processo mais rápido do que a recombinação. Assim a chamada densidade eletrônica da ionosfera diminui em uma velocidade menor do que a velocidade de aumento da densidade eletrônica devido ao nascer do sol.

A ESTRUTURA DA IONOSFERA

Como a radiação chega do exterior até a atmosfera terrestre, primeiro ocorre a ionização dos gases rarefeitos encontrados mas externamente. A medida que a radiação penetra mais profundamente na atmosfera, encontra uma densidade crescente de gases, e a quantidade de ionização aumenta. Penetrando além, ela produz mais e mais ionização, mas como a ionização despende energia essa radiação é totalmente dissipada até que o processo de ionização acaba. Então é formada uma região de máxima ionização, com regiões de densidades eletrônicas inferiores abaixo da mesma. Como a composição do topo da atmosfera varia conforme a altitude e como os diversos gases respondem especificamente a diferentes freqüências, existe uma tendência da ionização ocorrer em diferentes camadas. Estas camadas estão entre aproximadamente entre 50 a 650 km acima da superfície da Terra. Enquanto estas regiões ionizadas são usualmente mencionadas como camadas, elas não estão completamente separadas uma da outra.

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As camadas da Ionosfera e sua altitude em relação a superfície da Terra

Cada região ou camada se sobrepõem em alguma extensão formando uma contínua mas não uniforme área ionizada com ao menos 4 picos de intensidade de densidade iônica, chamadas regiões D, E, F1 e F2. Existem diferenças grandes entre os perfis das camadas de acordo com a estação do ano, devido a mudança da proximidade com o Sol e a sua posição no céu. Esta “posição” é chamada de ângulo de zênite solar. Mantidos outros fatores constantes, quanto mais alto o Sol, maior a densidade eletrônica. O uso das letras para designar as várias regiões da ionosfera foi devido ao trabalho de Edward Appleton, baseado na descoberta da camada Kenelly-Heaviside em 1924. Ele utilizou a letra E para esta camada, já que essa simbologia normalmente é usada para designar o vetor campo elétrico. Como ele mesmo previu, deixou assim muitas letras tanto acima quanto abaixo para designar futuras descobertas. O nome ionosfera foi dado por Sir Robert Watson-Watt, um colega de Appleton no início do trabalho e um dos pioneiros do trabalho sobre o radar.

A CAMADA D

Apesar de todo o trabalho experimental a respeito da ionosfera no final dos anos 60 e nos 70, do século passado, a camada D continua ainda um pouco enigmática. Esta camada, a qual se estende de 65 a 100 km acima da superfície terrestre e somente existe durante o dia enquanto a Terra encontra-se iluminada pelo Sol. Determinar a composição química da camada D foi muito difícil utilizando as modernas técnicas experimentais. A esta altitude relativamente baixa quando comparada com as outras camadas, a pressão ainda é suficientemente “grande” para produzir uma alta freqüência de colisões entre as partículas elementares constituintes da atmosfera, assim, os estudos convencionais não podem ser usados.

Portanto a química da camada D é a menos conhecida. Com respeito as comunicações via rádio a camada D é um gigantesco atenuador, absorvendo os sinais de HF que passam através. Como a atenuação varia com o inverso do quadrado da freqüência, quanto maior a freqüência do sinal de rádio utilizado, menor a absorção do sinal pela camada D. Após o pôr-do-sol essa camada se recombina e as baixas freqüências passam a ser refletidas pelas camadas superiores. Esse é o motivo porque a noite é possível ouvir transmissões em O.M. muito distantes por meios de propagação ionosférica (a chamada onda de céu, ou no original, skywave).

A CAMADA E

O limite superior da camada D acaba se misturando com outra região distinta chamada camada E, a qual ocorre principalmente durante o dia entre 100 e 125 km. É uma fina camada de 5 a 10 km de espessura, Existem muitos tipos de mecanismos de ionização que operam a essa faixa de altitude dependendo da latitude, estação do ano, e nível de atividade solar. Acreditava-se que esta camada desaparecia durante a noite. Mas experimentos no início dos anos 80 do século passado, durante o pico do ciclo solar 21, demonstraram o contrário. A camada E não desaparece, mas de fato apresenta uma permanente mas ineficiente fonte de propagação noturna. Foi também durante essa série de medidas experimentais que foi determinado que a ionosfera é turbulenta, já que após 2 minutos, qualquer variável medida na ionosfera modifica-se de valor.

A CAMADA E ESPORÁDICA

Em adição a camada E normal da ionosfera, existem regiões ionizadas que ocorrem esporadicamente. Diferentemente das camadas normais, estas regiões esporádicas vem e vão irregularmente, e existem diversas teorias a respeito da sua causa. A altura destas regiões ou “caminhos” é variável, mas elas ocorrem na maior parte das vezes a uma altitude de 100 km. Desde que apresenta a mesma altitude da camada E, por isso são chamadas coletivamente de E esporádico.
A camada E esporádica é uma região intensamente ionizada, e muito limitada em termos de extensão. Uma “nuvem” de camada E esporádica pode ter de 80 a 170 km em diâmetro, e pode permanecer somente por algumas horas antes de dissipar. Muitas dessa “nuvens” se deslocam a velocidade de centenas de quilômetros por hora. A causa da ionização da camada E esporádica não é ainda totalmente entendida. É sabido que meteoros se desintegram nas altitudes da camada E e que os íons metálicos residuais criam “caminhos” de alta ionização. Este pode ser um fator envolvido no surgimento de E esporádico.
Em regiões equatoriais o E esporádico é um fenômeno diurno, e provavelmente é causado pela instabilidade no plasma causada pelo jato eletrônico equatorial (convém mencionar que existem correntes de convecção de altíssima velocidades associadas a altas altitudes). As altas velocidades encontradas aqui podem criar densos “caminhos”. Ao redor do equador geomagnético o E esporádico pode permanecer por 90% das horas do dia.

A CAMADA F, OU MELHOR, AS CAMADAS Fs

As camadas Fs são as mais importantes regiões da ionosfera e com elas as comunicações de ondas curtas em alta distância estão relacionadas . Durante as horas do dia existem duas regiões bem definidas, a camada F1 e a camada F2. Em um dia de inverno a camada F1 começa um pouco acima do limite superior da camada E (150 km) e se estende até cerca de 250 km. Durante o dia de verão a camada F1 é encontradas em altitudes maiores. A camada F2 varia de 350 km durante o inverno e pode chegar a 500 km durante o verão. A maioria das transmissões em onda curta são acompanhadas através da camada F2.
A evidência experimental indica que a camada F1 desaparece durante a noite. Já durante o dia é essa camada que suporta transmissões de curto a médio alcance. A camada F1 se comporta de forma semelhante a camada E . Diferentemente de todas as outras camadas a camada F2 existe independente de ser dia ou noite e é sempre capaz de sustentar propagação em alguma freqüência. É a mais importante das camadas e é o seu comportamento que é predito pela maioria dos programas de computador que fazem predição de condições de propagação, como o MINIMUF, por exemplo.

ACIMA DA REGIÃO F

Aproximadamente 95% dos átomos e moléculas que formam a ionosfera estão contidos abaixo dos 1000 km de altitude. Medidas utilizando satélites indicam que a densidade eletrônica entre 650 e 1000 km é muito pequena e que tem pouca importância para transmissões em ondas curtas ou radioamadores.

Dica de site a respeito do assunto:

Quem tiver interesse em acompanhar uma animação a respeito do fenômeno da propagação, e tiver o FLASH da MACROMEDIA instalado no seu computador, deve acessar: http://www.ae4rv.com/tn/propflash.htm

* Artigo publicado no Boletim @tividade DX produzido pelo DX Clube do Brasil



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Engenheiro Eletrônico, trabalha na área de TI e Telecomunicações e é aficcionado por tecnologia, e a prática da radioescuta
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